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Conversa Luís Aleluia
Sintomas De Escritor setembro 23, 2017 0
Luís Filipe Aleluia da Costa, nascido a 23 Fevereiro de 1960, revela-nos que queria ser advogado, no entanto o teatro entranhou-se na sua vida e até hoje nunca mais conseguiu deixar a sua paixão pela representação. O eterno Tonecas, papel que mais o marcou ao longo do seu já extenso trajeto, revela-se uma pessoa vulgar, igual a tantas outras.
Quem é, para si, Luís Aleluia?Luís Aleluia - Uma pessoa vulgar, igual a tantas outras mas, que tem um pouco mais de destaque pelo imediatismo, resultante da profissão que escolheu. De resto sou o Luís Aleluia, igual a qualquer outra pessoa: com as alegrias e tristezas e as mesmas preocupações que qualquer um. Estou apenas mais exposto.
Qual era o seu maior sonho de criança?
LA - Geralmente as crianças colam o seu imaginário à pessoa ou a fatos que o impressionam, por isso há tantos que querem ser "Polícias", "Bombeiros" e "Médicos". Eu ... queria ser Professor. Só na adolescência é que veio o desejo de estudar Direito e seguir advocacia.
Com que idade começou a representar?
LA - Aos 10 anos. Mas nessa idade não se pode dizer que é "representar" na acepção que temos do termo. A representar, com alguma consciência da atividade, foi já com 16/17 anos, integrado em grupos amadores. Eu próprio fui fundador de um na escola secundária que frequentei. Profissionalmente iniciei-me com 19 anos no Teatro de Animação de Setúbal, onde estagiei e tive os primeiros contatos com a profissão.
"...eu não queria ser ator, queria ser advogado."
O que o levou a ser ator?
LA - A necessidade de autonomia financeira. O trato que fiz com o Diretor da Companhia, o ator Carlos César, foi que só trabalhava nas produções que não se sobrepusessem com os estudos.
Fui bastante claro: eu não queria ser ator, queria ser advogado. Mas o Teatro foi-se entranhando em mim que ainda hoje não consigo resistir-lhe.
O que sentiu na primeira vez que representou?
LA - Que estava a cumprir um dever, uma obrigação, embora com muito prazer.
Representar, produzir, encenar e imaginar. Luís é um verdadeiro mundo do espetáculo. O que lhe dá mais gosto fazer?
LA - Representar.
E hoje, o que sente ao representar?
LA - Hoje sinto um misto de responsabilidade e de ansiedade. O desejo de que os espectadores gostem da proposta profissional que lhes ofereço e a responsabilidade de não gorar as expectativas de quem está ali com o propósito de assistir a uma boa performance. Em comparação com os escritores, eles têm "o pânico da folha branca", nós, os atores, temos "o pânico do palco vazio", o medo de ter uma "branca" (esquecimento momentâneo de uma fala), ficar rouco; que não consigamos captar a atenção do espectador; etc.
"... Qualquer um pode ser artista, basta aparecer na televisão ou ter "jeitinho" para fazer teatro ou cinema."
O que são, para si, os artistas em Portugal?
LA - São profissionais ao serviço da Cultura que vêm a sua importância reconhecida por todos mas não por quem de Direito. Há anos se se luta pela caracterização da profissão. Não há Regulamento e, em certos casos, ética deontológica. Qualquer um pode ser artista, basta aparecer na televisão ou ter "jeitinho" para fazer teatro ou cinema. Pior agora, com as novas plataformas de difusão de conteúdos per formativos. Uma boa câmara de telemóvel pode promover qualquer um ao estrelado.
Considera que Portugal tem bons artistas?
LA - Dos melhores!
O que é, ser um bom artista?
LA - Depende do critério a avaliar?! O que é ser um bom jogador de Futebol? é marcar golos? Mas há quem não marque e só dê assistência, tem menos valia que o ponta de lança?!
Como se define enquanto ator?
LA - Um Profissional exigente.
O que se exige a um bom ator?
LA - Humildade para aprender e saber tirar da Vida o suficiente para a transformar em Arte.
O que pensa da televisão em Portugal?
LA - Está bem e recomenda-se. É suficientemente eclética para poder satisfazer um espectro largo da audiência. Há canais para todos gostos.
"...Há quem goste do "Meninos Tonecas" e outros que o detestam, mas o pior destes últimos é que confundem o ator com a personagem."
Ficou bastante marcado pela personagem "Tonecas". Qual o segredo para o sucesso do "Tonecas"?
LA - "As Lições do Tonecas" já traziam um embalo de sucesso, quer literário quer da rádio. Muita gente cresceu a ler os diálogos do José de Oliveira Cosme e que eram bastante divertidos. Trazer esse produto para a televisão foi uma aposta que excedeu as expectativas de todos. Veja-se que a primeira encomenda foi de apenas 13 episódios que resultaram num extraordinário e inesperado sucesso popular. O formato era divertido com uma linguagem muito acessível e direta. Tornou-se um programa familiar e transversal. A estrutura é baseada na fórmula simples do confronto entre o parvo e o esperto. Repetida tantas vezes no teatro e no cinema e que agrada sempre: o bucha/ estica, palhaço rico/ palhaço pobre.
Como foi, na época, fazer essa série de humor?
LA - De início encarei apenas como mais um programa de televisão, tinha feito tantos até ali. Só mais tarde é que me apercebi da importância, e que, aquele não era um Programa qualquer, mas sim uma grande oportunidade profissional e que se revelou de extrema relevância para todo o meu percurso até agora, no que isso tem de mau e no que tem de bom. Há quem goste do "Meninos Tonecas" e outros que o detestam, mas o pior destes últimos é que confundem o ator com a personagem.
Nos dias de hoje, o humor, praticamente saiu das grelhas televisivas. Qual acha ser a razão?
LA - Não é verdade. O humor está presente, pode não estar em todas, nem da mesma forma, mas o Humor faz parte da vida. Ele está presente, pode é apresentar-se com formatos diferentes. quando vemos um programa de "apanhados" , por exemplo, é humor.
Porque é que, programas, como "As lições do tonecas", e outros do mesmo gênero, apesar do sucesso, deixaram de ser aposta para a televisão portuguesa?
LA - São critérios de quem faz a programação e pretende alcançar os seus objetivos e metas pessoais. São legítimas essas opções.
Nos dias de hoje, Tonecas, teria o mesmo sucesso?
LA - Talvez não. Os tempos são outros e o humor já não é tão ingenuo.
Pensa que as estações televisivas evoluíram?
LA - Bastante e de forma significativa, que exige adaptações constantes aos desafios tecnológicos que são quase diários. Num outro dia fui dar uma entrevista a uma Estação de televisão e dentro do estúdio só estava eu e a apresentadora, tudo o resto era mecanizado e controlado por computador. O espaço tinha apenas duas poltronas e uma mesa de apoio, tudo resto do cenário era feito em "croma".
Quais os principais erros das estações?
LA - Boa pergunta para quem seja um expert na matéria, o que não é o meu caso. Mas é uma "verdade de La Palice" afirmar que é preciso conhecer e entender o público para quem se está a trabalhar e isso muitas vezes não acontece.
"... Há, infelizmente, pouco apoio da Tutela que deveria prestar mais atenção à Classe Artística e responder às reivindicações..."
E o Teatro, porque passam por tantas dificuldades as companhias de teatro?
LA - Nem todas as Companhias, e nem todas as Produções passam por dificuldades. O público enche as salas de teatro, gosta e acarinha os seus artistas de Teatro. Há hoje em dia apostas muito significativas nos equipamentos Culturais, a maior parte delas por parte dos Municípios que entendem o Teatro, e a Cultura no seu todo, como bens fundamentais para a coesão e desenvolvimento das suas comunidades. Há, infelizmente, pouco apoio da Tutela que deveria prestar mais atenção à Classe Artística e responder às reivindicações, algumas consideradas fundamentais: como a reposição da Carteira Profissional para os profissionais do sector e um abaixamento do IVA do preço dos bilhetes que nesta altura é de 13%.
Como vê o futuro do Teatro?
LA - Bem. O Teatro é uma Arte Viva. Vem já como uma estrutura de comunicação desde o SEC. IV, presume-se, resistiu ao Cinema, ao "Vídeo", há-de resistir a estas novas plataformas tecnológicas e há-de reinventar-se numa constante evolução.
O que pensa que deveria ser feito ao nível do Teatro?
LA - Baixar o IVA do preço dos bilhetes e continuar a construir ou a reabilitar os Espaços a que o nosso Mestre Ruy de Carvalho chama "Oficinas".
" Uma pessoa vulgar, igual a tantas outras mas, que tem um pouco mais de destaque pelo imediatismo, resultante da profissão que escolheu. De resto sou o Luís Aleluia, igual a qualquer outra pessoa: com as alegrias e tristezas e as mesmas preocupações que qualquer um. Estou apenas mais exposto"
Qual o ator ou atriz que lhe deu mais gozo até hoje contracenar a seu lado?
LA - De todos os colegas guardo boas recordações, por razões diversas por isso é-me difícil distinguir apenas um nome. Com todos aprendi e todos foram importantes para o meu percurso, citar apenas um ou dois, poderia ferir susceptibilidades e ser injusto.
É hoje mais fácil ser ator?
LA - Há hoje mais informação técnica disponível e ações de formação mais facilitadas e também uma facilidade de mediatizar e promover um determinado evento pelo que se pode considerar ser mais fácil o acesso à profissão. A qualidade e o aperfeiçoamento vem com o tempo, com a paixão que move e incentiva quem decide enveredar por estes caminhos.
Com uma carreira tão rica como a sua, o que lhe falta concretizar?
LA - Não há Carreiras sólidas, há um trabalho acumulado, realizado ao longo de um determinado período que nos trouxe alguns conhecimentos técnicos e formas de trabalhar que o público pode apreciar ou não. Os artistas são eternos aprendizes, nunca nada está consolidado.
O que lhe diz a sua carreira?
LA - Que valeu a pena. Foi toda ela feita a pulso e sem prejudicar ninguém. Isso trás-me uma satisfação redobrada.
Quais as suas convicções, aquilo em que realmente acredita?
LA - Acredito na capacidade de que somos capazes! Como disse o poeta Sebastião da Gama, meu conterrâneo, "Pelo Sonho é que vamos". Aprendi que devemos fazer de cada obstáculo um desafio para a concretização dos sonhos. Tal como a água que contorna até chegar ao Mar.
O que não desejaria deixar de fazer antes de partir?
LA - Dar um abraço aos que amo. Partir depressa, sem dor, mas em Paz com o mundo.
E o que gostaria de poder esquecer?
LA - Alguns dias tristes vividos na infância, como a perda do meu pai aos 9 anos e que ainda hoje me marca profundamente pela falta de entendimento.
Se pudesse voltar atrás na vida, o que mudaria?
LA - Nada. Tudo faz parte de um percurso necessário para a nossa maturação. Acredito que nada acontece por acaso. Não sei se estaria a responder a esta entrevista se tivesse percorrido outro caminho!
Qual o herói da sua vida?
LA - Jesus Cristo!
Porquê?
LA - Foi, para mim, o maior revolucionário que a História já conheceu. Tento seguir alguns dos seus princípios que falam de um amor incondicional, de partilha, de respeito pelo próximo, de Paz e tudo em defesa de uma humanidade mais justa e perfeita que todos ansiamos.
Que mensagem gostaria de deixar a todos aqueles que gostam de si?
LA - Um agradecimento a todos. Sobretudo porque nada do que faço profissionalmente faria sentido se não houvesse quem gostasse do meu trabalho e da pessoa que sou.
E àqueles que não gostam de si?
LA - Tenho pena dessa situação. Embora ache legítimo. Mas tal como na vida, felizmente, nem tudo é Amarelo, tentam olhar-me profissionalmente por outra perspectiva. E repare-se que o amarelo também faz parte do Arco-Íris. ainda que não se goste particularmente dele.
"... Há, sobretudo na juventude a coragem de povoar o interior e criar projetos que se mostrem credíveis e rentáveis."
Portugal, é um bom país para se viver?
LA - Portugal é um excelente País para viver. Nós somos fantásticos enquanto povo e com uma invejável posição geográfica. Tenho pena que não se aproveitem melhor os recursos que temos à disposição, tanto os Humanos como os Naturais para conquistarmos uma maior independência econômico financeira com distribuição de riqueza equitativa e justa onde imperasse a felicidade.
O que mais poderemos exigir ao nosso país?
LA - Acreditarmos nele como acreditaram os que construíram a nossa História que está cheia de Heróis, de aventureiros. Devemos defender esse legado e fazer dele a maior lição para o Futuro: Somos Grandes, sempre o fomos.
E o que acha das nossas aldeias e tradições?
LA - Assiste-se, cada vez mais, a um retorno e aposta na terra como um Bem. Há, sobretudo na juventude a coragem de povoar o interior e criar projetos que se mostrem credíveis e rentáveis. Ainda há muito a fazer mas este princípio é encorajador desde que não faltem os apoios e incentivos locais.
Luís Aleluia tem orgulho em ser português?
LA - Muito! Mais pelo que fomos no Passado e pelo que podemos voltar a ser no Futuro.
O que nos diz a sua vida?
LA - "Que viver é diferente de estar morto". Não é minha a frase mas adequa-se!
Texto: Sintomas de Escritor | Fotografias: Luís Aleluia
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