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Ensaio sobre a Cunha
Sintomas De Escritor maio 03, 2020 0
Existindo ensaios sobre a cegueira, sobre a lucidez, que eu tanto gosto, e intermináveis outros sobre tudo relativo à experiência humana, decidi-me a um sobre a cunha. Existem, parece-me, dois tipos de cunha: as alheias à competência e as cientes da mesma, também designadas por referências, nomenclatura que daqui por diante utilizaremos. A cunha é feia e suja e sobre isso não me alongarei.Sendo crente fervoroso na erradicação da cunha alheia à competência, antagonista de qualquer esquema digno de merecer o cunho de meritocracia, defendo fortemente a referência. Isto porque a competência individual é complexa e transcende o que se consegue avaliar através de testes psicotécnicos e entrevistas psicológicas.
Socialmente, a profusão crescente do dinheiro em dimensões da interação que disso pouco precisam fez-nos, aparentemente, menos dependentes do vizinho do lado. Pagámos um preço grande, emocional, o sentimento de comunidade e pertença tão vital à nossa saúde mental e física. Daqui retornamos à comunidade, mas como veteranos de guerra para sempre traumatizados. Também no mercado de trabalho singraram as metodologias distantes da opinião social sobre determinado indivíduo. Assim, vingaram as avaliações psicométricas, com o intuito de modelizar o mental através do numérico. Erradicámos patologias flagrantes das nossas fileiras produtivas, mas esquecemos a recompensa do bom caráter, do homem e da mulher nunca esquecidos do sustento da família, do homem e da mulher que persistiram na face de uma e outra vicissitude da vida.
Na era do absolutismo concetual, em que a moeda é o mediatismo, decido-me à moderação e não venho pois defender a preponderância da referência em detrimento da análise psicométrica nem o contrário, mas sim, a equilibrada contemplação de todas as dimensões humanas. Repare-se que a referência, se positiva, é a recompensa social da coesão e da boa vivência de um indivíduo num determinado grupo, se negativa, a sinalização de que mais o indivíduo deverá contribuir em prol dos outros.
A referência é o testemunho do trabalho na vida em sociedade.
Texto: André Castro | Imagem: Markusspiske (Pixabay)
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